Em uma remota vila curda na fronteira entre o Iraque e o Irã vivem cinco crianças órfãs de mãe, responsabilizadas pela perda da mula de um contrabandista. Ayoub (Ayoub Ahmadi) e sua jovem irmã Ameneh (Amaneh Ekhtiar-dini) trabalham em um bazar, a fim de juntarem dinheiro para pagar a mula perdida, ao mesmo tempo que precisam cuidar de Madi, o irmão caçula, que sofre de uma grave doença. Quando o pai deles morre, Ayoub precisa cuidar da família, apesar de sua idade. Ele então se une aos contrabandistas, carregando pesadas cargas pelas montanhas até o Iraque e enfrentando a constante ameaça das minas e emboscadas. Mas quando a saúde de Madi piora, a única solução é uma operação no Iraque, a qual Ayoub não tem condições de pagar. Uma possível solução surge quando a irmã mais velha das crianças, Rojin (Rojin Younessi) arruma um casamento arranjado no Iraque, com seu futuro marido se comprometendo a pagar a operação de seu irmão.
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CRITICA
Diretor faz poesia da aridez iraniana
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Houve um tempo, e nem tão distante, em que penávamos no Brasil para compreender o que se passava nos filmes iranianos, tal a diferença entre os povos, os costumes, as histórias. Hoje, o Irã nos parece quase tão familiar quanto os EUA, e bem mais familiar, em todo caso, do que a França ou a Itália.
"Tempo de Embebedar Cavalos" teria tudo para criar novamente essa sensação de estranhamento, já que se passa no Curdistão iraniano e aborda a vida de uma população bem diferente daquela dos filmes de Kiarostami, por exemplo.
No entanto qualquer espectador com um mínimo de convivência com o cinema se sentirá à vontade nesse filme e ao acompanhar a história dos irmãos Ayoub, Amaneh, Rojin -três órfãos de um contrabandista na fronteira do Irã com o Iraque.
Os irmãos, Ayoub mais que todos, dedicam-se febrilmente a cuidar de Madi, o irmão deformado e que necessita com urgência de uma operação para sobreviver.
Uma das razões para não sentirmos algum estranhamento em relação ao filme é, com certeza, o fato de tratar de crianças, assunto preferencial de Abbas Kiarostami, que parece transmiti-lo a seus discípulos (o diretor Bahman Ghobadi foi seu assistente). Outra é a sensibilidade dos iranianos para dirigir atores amadores.
As semelhanças param por aí, o que é muito bom. As diferenças também são evidentes. Em Kiarostami, para ficar com o melhor exemplo, a infância de certo modo é uma metáfora do Irã: um país criança, ainda aprendendo a estar no mundo, com suas especificidades e aperfeiçoando o domínio de suas intolerâncias.
Seu olhar é, até certo ponto, doce e distanciado. O do curdo Ghobadi é mais estritamente realista. Não se permite os vôos estéticos mais sofisticados a que se dedica Kiarostami. Não é por acaso, aliás, que Madi -o menino deformado- será o pivô de toda a trama. Para o olhar de Ghobadi, a infância não é um estágio a se ultrapassar: é a perspectiva da morte que se inscreve nele.
É a morte que ronda, no mais, a existência desses irmãos de maneira incessante: atravessando longas extensões de terra sob um frio diabólico, trabalhando exaustivamente para ganhar alguns tostões, sendo afastados dos seus (no caso de Rojin).
Se todo o cinema iraniano é devedor do neo-realismo italiano, o de Ghobadi é o que mais se aproxima do primeiro De Sica, o de "Ladrões de Bicicletas" ou "Humberto D".
O quadro chega mesmo a ser melodramático, embora "Tempo de Embebedar Cavalos" evite qualquer transbordamento sentimental.
O longa de estréia de Bahman Ghobadi foi indicado para o Oscar de melhor filme em língua estrangeira de 2000. É bem possível que, para os norte-americanos, "Tempo de Embebedar Cavalos" representasse uma crítica tanto ao Irã quanto ao Iraque -já que a trama se passa na fronteira dos dois países.
Essa indicação, ao contrário do que costuma acontecer (o Oscar é especializado em pinçar o pior da produção mundial), não constitui uma mácula ao filme.
Com sua tocada seca e amarga, Ghobadi consegue fazer quase uma espécie de "Vidas Secas" iraniano, por sua capacidade de, em cada situação, dar conta de uma paisagem, de um modo de vida, de um estar no mundo que, por árido, nem por isso deixa de ter poesia. É o que se pode chamar de uma bela estréia.