Purgatório Heróica (Yoshishige Yoshida, 1970)- Raríssimo - Reliquias em DVDs
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Purgatório Heróica (Yoshishige Yoshida, 1970)- Raríssimo

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Uma garota se apresenta como filha de um casal: ela dona de casa, ele um misterioso cientista. A suposta filha terminará por seduzir o alegado pai. Antes disso, o cientista será perseguido por vários grupos de extrema esquerda, que atuam talvez para que o Japão sucumbisse ao comunismo. Mas o próprio governo encarcera, prende e tortura o pesquisador, acusando-o de promover a revolução, fato que ele nega.
Título Original: Rengoku Eroica
Ano de Lançamento: 1970
Direção: Yoshishige Yoshida
País de Produção: Japão
Idioma: Japonês
Duração: 118 Min.

Legendado

 

Uma tentativa de compreender o "impenetrável" filme do japonês Yoshishige Yoshida.
 

Desde que foi feito, em 1970, Purgatório Heróica, do japonês Yoshishige Yoshida, é um desafio para cinéfilos. Poucos até hoje se arriscaram na tarefa de tentar explicar essa peça existencialista e metafísica sobre a vida de um professor, provavelmente comunista, perseguido por grupos radicais de esquerda, pelo governo e por uma suposta filha, passado em quatro décadas diferentes, envolvendo presente, passado e futuro. Ou não – talvez não seja nada disso.

Resumi-lo por si só já é uma tarefa arriscada. Estrelado pela até hoje mulher do diretor, Mariko Okada, o filme, na sua primeira parte, traz uma garota que se apresenta como filha de um casal, ela dona de casa, ele um misterioso cientista. A suposta filha terminará por seduzir o alegado pai. Antes disso, o cientista será perseguido por vários grupos de extrema esquerda, que atuam talvez para que o Japão sucumbisse ao comunismo. Mas o próprio governo encarcera, prende e tortura o pesquisador, acusando-o de promover a revolução, fato que ele nega.

Isso seria uma proposição de trama, mas é uma simplificação. Entre os inúmeros flashbacks, em diferentes épocas, o professor é assassinado por uma integrante de grupo paramilitar. Nas idas e vindas da estória, a narrativa pula para o futuro, em 1989, e o professor, agora embaixador do país, é entrevistado sobre o fato de ele ter participado de um atentado político que, ao que tudo indica, foi contra ele mesmo.

Esse resumo pode estar influenciado pela história de vida do cineasta, que tinha 12 anos quando a bomba de Hiroshima foi lançada. A cidade em que nasceu foi atacada e fulminada por 120 aviões americanos e ele teve de fugir com a família no meio do fogo. Além disso, Yoshida é francófilo empedernido, com predileção literária por Georges Bataille e Merleau-Ponty, além de sua evidente queda pelo anarquismo e pelo existencialismo, presente em quase todos os seus filmes.

Mas tem mais complicadores – muitos mais, aliás. A câmera de Yoshida, ao oposto de quase todos os seus contemporâneos, não explora o chamado “plano-tatame”, ou seja, de baixo para cima, como os japoneses se sentam para conversar e comer. Ele, em oposição, registra tudo por cima, do teto. Nunca estática, a câmera segue por corredores meio fantasmagórica e aterradora, iluminando gestos vazios e cenários estilizados, escancaradamente falsos, extensões físicas das mentes das personagens, que declamam o texto muitas vezes sem nexo com os acontecimentos. Contribui para o clima os planos-seqüência elaboradíssimos, de enquadramentos inusitados, num preto-e-branco exasperante e maneirista à beira do ríspido.

No dicionário do cinema japonês escrito pela associação Lyon, da França, o ano de 1971 marca o início da queda da indústria cinematográfica japonesa, que vinha do sucesso internacional nos anos anteriores por conta da explosão da Nouvelle Vague japonesa nos anos 60. Segundo os autores, a crise começou com o fracasso comercial de Dodeskaden - O Caminho da Vida e posterior tentativa de suicídio do seu diretor, Akira Kurosawa, além do lançamento desse hermético e, considerado por muitos, impenetrávelPurgatório Heróica. Era o fim da chamada Nouvelle Vague japonesa, o movimento que modernizou o cinema japonês e, ao ser descoberto pelo mundo, não só influenciou uma boa quantidade de cineastas no ocidente como originou uma legião de fãs.

Para tentar se recuperar, as empresas cinematográficas se lançaram nos chamados “romances pornôs”, historietas amorosas de acentuada carga erótica que seriam a marca da cinematografia japonesa daí em diante (até ser substituída pela violência, nos anos 80, e pelos filmes de terror nos anos 90 e atuais). Tanto que Purgatório Heróica é considerado por alguns historiadores (talvez com certo engano e com certeza com muito mal grado) o primeiro da nova fase, por conta do tema (incesto) e das cenas de nudez.

Yoshida faria mais um filme, Golpe de Estado (1973), sobre um político anarquista, e, inconformado com as constantes intervenções dos produtores em seus filmes, deixou de dirigi-los, voltando-se para a televisão e montagens de peças teatrais na França. Só em 1988 voltaria a filmar (uma versão de O Morro dos Ventos Uivantes). Seu último filme foi Mulheres no Espelho, em 2003, depois de 15 anos longe das câmeras.

Yoshida (seu primeiro nome pode tanto ser Yoshishige quanto Kiju – o símbolo que o representa, em japonês, pode ser pronunciado das duas formas) afirmou, acerca do cinema atual: “Como definir um filme comercial? É aquele filme em que você entende tudo. Portanto, este é um filme que você esquecerá logo”. Não há melhor chave para assistir Purgatório Heróica, obra impossível de apreender se vista apenas uma vez. São necessária voltar várias vezes a ela na tentativa de, se não decifrá-la (impossível), pelo menos fazer com que tão belas e impactantes imagens possam produzir algum significado, uma vez que dificilmente nos saem da memória.

Fica aqui, portanto, uma primeira e singela contribuição do Cineplayers para que os amantes do cinema possam continuar a debater essa esfinge do cinema mundial.

Por Demetrius Caesar

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