PI - Reliquias em DVDs
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PI

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Pi, o [fi]lme, e o infinito no alfa Pi, primeiro filme de Darren Aronofsky (eita nome difícil!), é do tipo que precisa ser visto com igual atenção por apreciadores do cinema independente, nerds de computador e diletantes dos números. O roteiro é centrado em Max Cohen, que após quase ficar cego ao olhar para o sol aos seis anos de idade, emerge dessa experiência com um dom incomum para matemática. Apesar de aplicá-lo mais constantemente na solução de simples multiplicações para a garotinha que é sua vizinha, Max se dedica em empregar seu dom para identificar padrões matemáticos na natureza, a ponto de ter construído, dentro de casa, um super-computador, para auxiliá-lo em seus estudos. O personagem foi baseado nos irmãos David e Gregory Chudnovsky, que nos anos 90 projetaram e construíram, em seu apartamento neoiorquino, um computador com peças compradas pelo correio, com o qual pretendiam calcular o valor de pi com a maior precisão de dígitos possível. Max dá a tônica de sua procura, e do próprio filme, quando diz que “a matemática é a linguagem da natureza”. Esse simples enunciado é suficiente para explicar tanto a invenção dos algarismos, polinômios, triângulos e integrais quanto a confusão de um aluno de primário com frações ou equações de segundo grau, insistentemente apresentadas em sala de aula como entidades abstratas autônomas, ao invés de representações da natureza, analogia simples e eficiente. Afinal, qualquer um capaz de compreender que uma parábola é tão somente a trajetória descrita por uma moeda quicando no chão não precisa mais gastar neurônios para lembrar uma fórmula indecifrável como ax2 + bx + c = d. No entanto, essas fórmulas têm a extraordinária qualidade de serem abrangentes; de descreverem, de modo genérico, a trajetória de qualquer parábola – e é nesse poder de síntese que reside sua beleza. Recentemente, essa busca por fórmulas que expliquem a natureza têm se tornado tema predileto do cinema, em filmes como Uma Mente Brilhante ou Gênio Indomável, ambos centrados na busca por teorias perfeitas de gênios da matemática. A busca de padrões matemáticos que tornassem qualquer acontecimento previsível, do ciclo das chuvas ao crescimento dos pés de milho, desde sempre foi uma busca humana, tanto pelas possibilidades de grandeza que abriam (como a construção de templos maiores) quanto pelas facilidades práticas que criavam para o dia a dia. Por exemplo, já os gregos conheciam e usavam a chamada razão dourada, conhecida pela letra fi, em homenagem ao escultor grego Fídias, que usou-a em suas obras. Fi, aproximadamente 1.618, é conhecido como razão dourada pela quantidade imensa de vezes em que se manifesta na natureza. A partir da construção de “retângulos dourados” – retângulos onde a razão da base pela altura é igual a 1.618 – onde a base do próximo retângulo é sempre igual, em comprimento, à altura do anterior, é possível desenhar uma espiral, conhecida como a “espiral dourada”, que aparece na natureza em caracóis, redemoinhos, chifres de bodes... No corpo humano, a razão dourada aparece entre o comprimento das falanges e das falangetas dos dedos da mão, e em várias proporções do rosto. (Parêntesis: no Renascimento, Leonardo da Vinci voltou a utilizar extensivamente a “proporção divina”: um retângulo que envolva o rosto da Mona Lisa será um “retângulo dourado”, que, se for dividido na altura dos seus olhos, criará outro retângulo assim. Um de seus desenhos anatômicos mais famosos usa exatamente essa proporção entre a altura de um homem e sua altura até o umbigo. O mais intrigante é que, embora em qualquer pessoa as proporções anatômicas ao menos se aproximem de fi, toda vez que o valor encontrado é muito exato, a percepção tende a enxergar aquilo como... beleza. Uma modelo em uma propaganda de cosméticos apresentaria a razão dourada na relação entre várias medidas de seu rosto. No documentário A Face Humana, John Cleese e Liz Hurley apresentam um cirurgião plástico que percebeu o quanto essa relação se repete no rosto, a ponto de construir uma complexa máscara humana composta de triângulos, retângulos e hexágonos, baseados na razão dourada, que pode ser aplicada a qualquer rosto. O mais impressionante é como a máscara encaixa direitinho em qualquer rosto que se considere bonito, independente de raça, região ou tempo. Como os clientes de um cirurgião plástico querem ficar mais belos, seu método é, fundamentalmente, aplicar uma máscara proporcional à face do cliente, ver onde estão as principais divergências... e corrigi-las com o bisturi. Qualquer um pode sobrepor uma máscara à sua foto e ver o quanto o rosto se aproxima do conceito universal de beleza.) No filme, a obsessão de Max Cohen com a razão dourada é expressa por closes em conchas marinhas, pelo desenho espiralado de creme derretendo na superfície de uma xícara de café, ou da fumaça de um cigarro se desfazendo no ar, ou mesmo em uma foto da própria galáxia, que também se assemelha a uma espiral. Para Max, “se fomos criados por uma espiral, e vivemos em espirais, tudo que podemos criar são espirais”. Curiosamente, em nenhum momento é mostrado o valor de fi, apenas há o gancho para uma seqüência de números que era uma série de Fibonacci, ou seja, uma série na qual cada elemento é sempre igual à soma dos dois anteriores (1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21,...). A razão entre dois números consecutivos deFibonacci é praticamente a razão dourada, com a precisão crescendo à medida que se usam valores maiores. Se os irmãos Chudnovsky acabaram por bater o recorde do cálculo de dígitos de pi, tornando-se assunto de reportagem na New Yorker, Max Cohen também não passa despercebido em sua pesquisa. Uma empresa quer contratar seus serviços para escrever um programa capaz de prever o comportamento das cotações da bolsa de valores, já que a variação no preço das ações é usada pelo matemático como um teste de calibração de seu computador. À princípio, Max segue o estereótipo do cientista-recluso-anti-social-desapegado-dos-bens-materiais, mas que cede ao canto da sereia quando lhe oferecem por moeda de troca um chip super-poderoso. Claro que o chip é muito mais um artifício de roteiro do que uma possibilidade, assim como o computador que Max constrói parece saído da Guerra do Ferro Velho; a inspiração visual de Darren, pelo menos para as representações tecnológicas do filme, é confessadamente, a estética de Rod Serling nos episódios de Além da Imaginação - até mesmo na fotografia em preto e branco, uma constante em primeiros trabalhos de cineastas recém-formados (vide o premiado Um Sol Alaranjado, de Eduardo Valente). Além dessa empresa, Max é contatado por judeus hassídicos que, estudando a relação entre letras e números no Talmud, pretendem chegar à revelação sagrada contida em um certo número de 216 dígitos. Aqui vai mais um escorregão do roteiro, que confunde numerologia com matemática ao achar que a associação de números com seus significados místicos, sagrados ou religiosos é campo de estudo da última, quando é da primeira. De qualquer maneira, o gancho religioso é uma sacada notável, senão pela contraposição material-espiritual, profano-sagrado, que cria em oposição imediata ao objetivo lucro da empresa do mercado de ações, ao menos por lembrar que, mais do que meramente indicarem quantidades, os números contém um aspecto simbólico, estudado na aritmologia de Pitágoras e presente em todas as religiões (40 dias de quaresma, o sétimo céu, os 3 mil prazeres...). Ainda que acabe participando de rituais com os judeus hassídicos, ou que venha negociar o chip com os interessados em seus estudos, a única pessoa a quem Max dispensa real atenção a ponto de conversar, na película, é seu professor aposentado Sal, nas longas partidas do jogo chinês Go que disputam. Sal abandonara seus estudos sobre o pi desde que sofrera um ataque nervoso, retomado por Max como base de sua procura de um padrão matemático. Também conhecido desde os gregos, o pi, além ser a razão entre o comprimento de um círculo e seu diâmetro, constante em qualquer figura circular, é um número irracional, ou seja, é impossível representá-lo como uma fração, dado que a seqüência de algarismos que aparece depois da vírgula (3,141592653589...) é completamente aleatória, e não pode ser descrita por nenhum padrão. Sal tenta convencer Max de que a idéia de buscar uma lei matemática para fenômenos naturais pode acabar levando-o à loucura, e, ao invés de orientar sua pesquisa, fica advertindo-o para que não esqueça das outras coisas da vida não cobertas por sua pesquisa. Além de recomendá-lo a usar a intuição durante o jogo, ao invés de tentar deduzir o algoritmo das jogadas que conduzem à vitória, é particularmente divertido vê-lo afirmar que o ovo de Colombo do teorema de Arquimedes tinha sido, na verdade, a mulher do matemático, porque fora ela a responsável por mandar o sábio descansar um pouco e ir tomar um banho – o que, como, se sabe, acabou levando-o a enunciar o teorema... Obcecado, Max não dá ouvidos a Sal e, quanto mais cai dentro do seu computador de fundo de quintal – bem, não dá para criticá-lo totalmente... Steve Wozniak também começou assim -, mais terríveis dores de cabeça se manifestam, dando vazão a delírios e paranóias, um prato cheio para o diretor exercitar todo seu talento de edição visual e sonora, perturbando os espectadores com microfonia, distorção e música eletrônica. São aquelas cenas manjadas em que o público nunca sabe exatamente se o que aparece na tela está acontecendo mesmo ou só na cabeça do personagem. A trama é habilmente conduzida, com direito até a cenas clássicas trash da tripa-por-metro, unindo os as 3 linhas paralelas – a pesquisa matemática, a perseguição religiosa e a pressão empresarial – até amarrá-los num coerente final que, como não poderia deixar de ser, permite várias interpretações. Ao invés de gastar pestana em uma, optarei por lembrar aqui que, se nenhum número sagrado de 216 dígitos foi descoberto ainda, já foi possível chegar a um número que contém tudo, todas as coisas criadas que possam ser simbolizadas e mapeadas por algarismos. Este número é o alfa, foi proposto por Champernowne e se escreve-se seqüenciando os números naturais, depois da vírgula: 0,012345678910111213141516..., sendo conhecido como constante de Champernowne. Assim como o pi, é preciso um computador para escrevê-lo com maior precisão. O alfa contém todas as seqüências de valores existentes, e portanto, descreve tudo que há no mundo. Atribua-se um valor a cada caractere de um teclado comum, segundo a tabela ASC II, e uma frase passa ser representada por uma seqüência de números. Do mesmo modo, qualquer livro pode passar a ser representado por uma grande seqüência de números, e esta seqüência estará incluída no alfa. Um quadro? Partindo-se do princípio que o olho humano é capaz de distinguir apenas 16 milhões de cores, e que não é capaz de perceber nada em resolução menor do que uma quadradinho de 0.05 milímetro quadrado, qualquer imagem pode dividida em uma malha de quadradinhos de 0.05 milímetro quadrado, e sua cor respectiva, indicada por um número código que representa uma das 16 milhões de cores. Assim, se o quadro for lido linha a linha horizontalmente, anotando-se a seqüência de cores como uma série de números, o resultado será uma imensa série de números que também está contida em uma expansão do alfa. O mesmo vale para qualquer seqüência de DNA. Qualquer átomo. Qualquer molécula. O mais espantoso disso é que existe uma relação direta entre o alfa e o pi, algo como alfa = pi/26, e ambos os números estão ligados pela teoria da complexidade de Kolmogorov. Esta teoria introduz o conceito de que a complexidade de qualquer coisa pode ser medida pelo programa de computador que a produz; como o programa que escrevesse o alfa teria que continuar para sempre, o alfa tem complexidade “infinita”. É o universo inteiro em si mesmo. Talvez a matemática não seja suficiente para explicar, ou mesmo conceber, uma consciência superior, mas até aqui já foi capaz mapear toda a criação.

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