Em seu mais recente filme, O Reinado da Beleza (La Règne de la Beauté, 2014), o cineasta canadense Denys Arcand inovou e, ao contrário dos demais filmes, não fez um retrato de sua geração, hoje na faixa dos 50-60 anos, mas da seguinte, o pessoal hoje em torno dos 30-40, a chamada Geração X. Se Arcand e seus amigos tinham muitas ideias e falavam demais, os mais novos parecem não ter muito a dizer: “americanizados”, sem cultura, obcecados com o dinheiro e vivendo de aparências, essa nova classe média, mesquinha e sem nenhuma ideologia a defender, é, na opinião do diretor e roteirista, incapaz de amar e afundada em depressão.
Denys Arcand nunca foi uma unanimidade e seus últimos filmes foram duramente criticados por conta do cinismo, um certo nariz empinado em relação aos “menos inteligentes”, do deboche com que retrata suas personagens, à beira do insulto. Ele seria a representação de uma certa esquerda ressentida, muito comum hoje nas mídias sociais, que ataca todos os “inimigos” como se não fossem inteligentes o suficiente para entender seus ideais ou pequenos demais para pensar “grande”. Seus antagonistas seriam meros colonizados do American Way of Life, gente que não conhece a alta cultura; uns abobalhados, mentalmente desafortunados; uns caipiras que, infelizmente, seriam a maioria.
Para fazer essa crítica severíssima, Denys Arcand usou todos os recursos do chamado cinema mainstream e fez um filme à la Americana, um perfeição a toda prova, fotografia impecável, atores belíssimos (da qual ele mostra os corpos perfeitos incessantemente), um andamento um tanto previsível, com vários clichês, e diálogos reiterativos, que apenas explicam o que está sendo mostrado. Mas é uma estética crítica: o filme, a maneira de filmar, americana, é um retrato de seus personagens, amorfos, que poderiam viver em qualquer grande cidade de qualquer pais hoje em dia, no mundo globalizado, do cinema globalizado. O resultado é puro cinismo: Arcand critica a beleza que ele sabe usar tão bem.
Conta a história de um arquiteto novo-rico canadense-francês que tem um caso com uma também canadense, mas anglofônica, de Toronto. Casado com uma professora de educação física depressiva e sem ambição, o arquiteto passa o filme a desfilar roupas de grifes, carros de marca, a praticar incansavelmente esportes (em todos, luxuosamente paramentado), ou bebe vinhos caros na sua impecável casa de campo com seus amigos todos muito parecidos com ele, incluído um casal de lésbicas, uma delas interpretada por Marie-Josée Croze, atriz que venceu Cannes por sua atuação em As Invasões Bárbaras (Les Invasions Barbares, 2003), o maior sucesso comercial de Arcand.
É mais desconfortável que incômoda a crítica de Arcand, e um tanto gratuita. O cineasta havia feito uma análise parecida de sua geração na mesma idade em O Declínio do Império Americano (Le Déclin de l’Empire Américain, 1986), indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Ácido, o filme era engraçado e cheio de verve, com discussões filosóficas e sociais sobre a evolução do mundo que, na época, com o feminismo e o movimento dos direitos humanos, mais a liberação dos gays e a importância que a cultura tinha na sociedade, em especial a literatura, apontava para um momento de transformação positivo, que seria o grande legado dessa geração às demais. No filme, pressentia-se que esses valores já estavam em decadência e que, tênues, não ressistiriam às... invasões bárbaras, nome do próximo filme, um acerto dos exageros e erros dessa mesma juventude.
A nova geração, os nascidos entre 1960 e 1980, no filme de Arcand é aparentemente inteira ela formada de imbecis narcisistas, de uma superficialidade atroz. Falam coisas do tipo: “o patrimônio mundial está sendo destruído pelo turismo”, com cidades (Veneza, Bruges), desvastadas pelos turistas, mais parecem o Ikea (a loja popular de móveis) em dia de promoção; “japoneses, chineses e americanos deveriam ser proibidos de saírem de seus países para viajar”, além de uma série de outros esnobismos de classe que deveriam soar engraçados, mas não conseguem. Quando filma o sexo, Arcand o faz de maneira tão fria e protocolar que mais parece uma sessão de massagem, cheio de rituais impessoais, em que a atração física parece ter sido trocada por uma certa forma de exibicionismo.
Evidentemente Arcand tem todo o direito de pensar o que quiser da geração seguinte a sua, e ele pode inclusive estar certo sobre uma série de coisas, mas a maneira que ele escolheu para fazer sua crítica nunca funciona. Suas personagens não parecem reais, as conversas são forçadas. Nada da tagarelice e da pulsão sexual das décadas de 60-70, que Arcand filmou com gosto e que pareciam tão reais. A perfeição estética que Arcand critica virou-se contra ele: superior, transformou sua crítica na parte mais fraca desse filme ascéptico e inócuo.
Por Demetrius Caesar
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