Título original: Il Portiere di Notte / The Night Porter
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Sinopse:
Anos após o fim da Segunda Guerra, uma sobrevivente de campo de concentração e seu antigo torturador se reencontram e revivem relacionamento sadomasoquista.
Crítica:Uma das grandes diversões em ver ou rever um filme lançado há vários anos que causou algum tipo de controvérsia, tornando-se célebre por conta disso, é descobrir se ele ainda mantém a sua força e se possui qualidades suficientes para se sustentar como um trabalho interessante independente do contexto da época. O Porteiro da Noite foi lançado em 1974, um ano antes de Ilsa, A Guardiã Perversa da SS, e ambos lidam com o tema do nazismo associado a um erotismo naturalmente considerado impertinente e ofensivo. Mas ao passo que Ilsa era uma produção assumidamente apelativa e com fins puramente comerciais, inaugurando aí o subgênero denominado nazisploitation, O Porteiro da Noite vem com grandes pretensões artísticas e pretende contar uma história séria e complexa. No entanto, não é nenhuma surpresa que na época o filme tenha sido rechaçado por muitos por conta de seu conteúdo, e ainda hoje conserva um certo appeal de filme “proibido” graças principalmente à provocativa campanha de divulgação original.
Mas afinal, tem caroço nesse angu ou a parada toda é só caô? Bem, um pouco das duas coisas. O filme se passa em Viena, treze anos após o fim da Segunda Guerra. Max (Dirk Bogarde) trabalha como recepcionista num hotel de luxo, cujos serviços incluem garotões propiciando noites felizes a hóspedes solitárias de mais idade como a Condessa Stein. Certa noite, Max é surpreendido pela chegada da bela Lucia (Charlotte Rampling), acompanhada de seu marido que é regente de uma orquestra em turnê pela cidade. A tensão toma conta dos dois assim que eles colocam os olhos um no outro, e então é exibida uma série de flashbacks que revelam que Lucia foi prisioneira num campo de concentração nazista e que Max era um oficial que a torturava.
É revelado também que o hotel é local de reuniões de um grupo de ex-nazistas, do qual Max faz parte. Ao mesmo tempo em que tentam manter-se longe de qualquer suspeita, eles procuram tirar do caminho qualquer testemunha em potencial dos crimes que cometeram no passado. A chegada de Lucia obviamente representa uma ameaça, tanto para Max como para ela. Mais flashbacks são exibidos, e podemos notar na expressão de Lucia uma certa excitação ao relembrar um ato de tortura que sofreu. Já Max mostra-se perigosamente atraído pela presença de sua antiga vítima, chegando a ir à estreia da ópera conduzida pelo marido dela. Logo depois o marido precisa ir embora com urgência e Lucia acaba ficando sozinha no hotel. Mais uma dose de flashbacks (e começa a ficar chato) e descobrimos que na verdade ela e Max mantinham um doentio relacionamento no campo de concentração. Uma das cenas o mostra cuidando dos ferimentos de Lucia e depois colocando nela um vestido de criança, enquanto vemos intercaladas cenas dela, no presente, comprando um vestido semelhante num antiquário em Viena.
Lucia descobre a existência do grupo de ex-nazistas e seus planos ao ouvir atrás da porta a conversa de uma reunião. Ela tenta entrar em contato com seu marido, mas a ligação é interceptada por Max. Ele então sobe até o quarto dela e finalmente os dois ficam cara a cara. Primeiro eles se batem e se xingam, mas não demora muito e começam a rolar pelo chão rindo e se beijando. No dia seguinte, ela manda um telegrama pro marido avisando que vai ficar mais tempo em Viena, e pouco depois já se encontra vivendo com Max no apartamento dele. É aí que o filme começa a ficar um tanto arrastado, e a relação entre os dois protagonistas não se mostra tão intensa e envolvente como prometia. Max, completamente apaixonado por Lucia, teme perdê-la novamente e decide não entregá-la aos seus amigos, mas eles começam a estranhar o comportamento do companheiro, que inclusive chega a pedir demissão do emprego, e concluem que ele está escondendo alguém em sua casa. Encurralado e passando fome, o casal caminha rumo a um inevitável desfecho trágico.
O Porteiro da Noite é um filme com uma premissa instigante e apresenta uma série de elementos promissores, mas é uma pena que estes nunca sejam suficientemente explorados. A diretora Liliana Cavani, aliás, parece bastante engajada na ideia de insinuar mais do que mostrar (exceto pelos excessivos flashbacks), o que funciona só até certo ponto, deixando o resultado com aquele ar de filme forçadamente “de arte”. Se por um lado a economia confere certa ambiguidade aos personagens e suas ações, por outro a sensação é de que falta desenvolvimento em alguns aspectos. Lucia, por exemplo, poderia ter sua história melhor apresentada, até para que pudéssemos nos identificar melhor com o seu sofrimento, mas a personagem é conduzida de uma forma tão fragmentada que por pouco ela não acaba se tornando um mero objeto de suporte para o bem mais interessante Max. A performance de Dirk Bogarde, por sinal, é um dos grandes méritos do filme, e ele felizmente consegue suprir através de olhares e gestos as limitações do roteiro.
E, falando em limitações, temos o grande problema do elemento central de O Porteiro da Noite, que é o relacionamento supostamente intenso entre Max e Lucia. O que deveria ser um retrato sombrio, subversivo e perturbador do lado mais sórdido da natureza humana acaba se revelando uma série de episódios enfadonhos protagonizados por um casal que não tem muito o que fazer além de se cortar com cacos de vidro pra aliviar o tédio. Praticamente não há paixão, erotismo ou intensidade nas cenas dos dois. Sim, há tristeza e apatia, que condizem com a situação realmente sem perspectivas de Max e Lucia. Afinal, ambos sabem que depois de todo o horror do qual fizeram parte e todo o dano psicológico e emocional resultante não há qualquer esperança de uma “vida normal”, menos ainda juntos. Uma das cenas que melhor expressam esse terror é a mais famosa do filme, em que Lucia, seminua e usando um quepe da SS, dubla uma música de Marlene Dietrich pra uma plateia de guardas mascarados. Ao fim da performance, Max dá de “presente” a ela uma caixa contendo a cabeça decepada de um prisioneiro que a importunava, como uma forma de demonstrar seu amor. É um momento forte. Mesmo assim, o filme sabota qualquer possibilidade de algo mais substancial ser construído a partir daí, inserindo subtramas que quebram a fluidez da narrativa principal. É quase como se o filme mostrasse que tem cartas na manga, mas fica tímido demais para mostrá-las.
A primeira hora da produção é bastante eficiente e constrói de forma paciente e cuidadosa a história, ainda que o andamento fique lento demais em certos momentos. O problema é que o clímax para o qual a primeira metade parece estar abrindo espaço nunca chega a acontecer, e o negócio acaba fica cansativo justamente quando o casal de protagonistas se encontra. Pra piorar, o roteiro continua investindo em tramas paralelas que já deveriam ter sido abandonadas, e fica a sensação de que muitas cenas estão ali apenas pra preencherem as duas horas estipuladas.
No fim das contas, O Porteiro da Noite tem muito a oferecer, mas ao sucumbir aos clichês do arthouse, acaba expondo suas maiores fragilidades e negligenciando seu potencial de impactar o espectador de um jeito mais incisivo. Vale pela excelente atuação de Dirk Bogarde, pela presença de Charlotte Rampling e sua beleza hipnótica, pela ótima trilha sonora e, principalmente, pela famosa sequência da performance de Lucia pros guardas, que continua sendo a parte mais interessante do filme. E a campanha de divulgação, que usa sem reservas imagens desse momento, revela-se no fundo bem mais justa do que costumam dizer por aí.