Título Original: The Smell of Us
Título no Brasil: O Cheiro da Gente
Direção: Larry Clark
Gênero: DRAMA
Ano de Lançamento: 2014
Duração: 85 min
País: França
Sinopse: Em Paris, um grupo de jovens se reúne diariamente para andar de skate, fumar maconha e se divertir em meio aos pontos turísticos, sem se importar com os milhares de visitantes que a cidade recebe diariamente. Entediados, ricos, mimados e sempre conectados, vivem uma rotina desregrada e sem objetivos. Mas, aos poucos, a realidade cairá sobre eles e despedaçar a vivência poética.
CRITICA
The Smell of Us – O Cheiro de Nós é mais uma das lúridas explorações de hedonismo adolescente assinado por Larry Calrk, o realizador de Kids, Ken Park e Bully.
Na controversa filmografia de Larry Clark existe um constante invariável paradoxo que se estende para além dos seus trabalhos e também engloba a reação pública e crítica que eles provocam. Clark tem dedicado a sua carreira enquanto realizador à exploração e representação do hedonismo da juventude, começando logo com Kids que chocou e apaixonou Cannes em 1995. No entanto, na mesma medida em que os seus projetos parecem mostrar uma paixão perversa pela carne adolescente, a perspetiva que domina os seus filmes é uma de histeria moralista, onde o choque é a reação para qual toda a experiência cinemática contribui. Basta caminharmos por qualquer instituição de ensino superior onde o cinema faça parte do currículo para termos uma ideia de como esses extremos convergem mesmo na reação aos filmes e não somente à sua existência isolada. Muitas pessoas defendem-nos como visões de juventudes perdidas, filmadas com ironia e um olhar fatalista. Outros celebram a sua celebração da carnalidade e do hedonismo. Outros ainda odeiam as suas visões e acusam-nas de serem nojentas e promotoras de devassidão.
Para efeito desta análise do recente filme The Smell of Us – O Cheiro de Nós, a perspetiva tomada sobre o trabalho de Clark é um pouco distinta dessas três alternativas. Uma coisa é certa, no entanto, enquanto autor Clark é como um velho lascivo e excitado pela podridão que julga ver nas figuras adolescentes que o rodeiam ao mesmo tempo que as detesta e julga. O próprio Clark parece estar ciente dessa sua imagem, colocando-se a si mesmo em frente das câmaras no papel de Rockstar, um velho sem-abrigo que vive num parque de skate, onde é abusado pelas monstruosas juventudes ao mesmo tempo que as olha como um predador e tenta cheirar o seu odor corporal. Numa cena climática do filme enquanto estudo sobre os corpos jovens, Rockstar toma prazer em lamber e esfregar os pés do protagonista angelical na sua cara, enquanto lhe pede para, e passamos a citar: “Fuck my face with your toes.”.
Esse protagonista é Maths, um skater de boas famílias que parece existir num estado permanente de letargia, que, devido em parte à sua beleza reminiscente de um modelo Renascentista, se decide prostituir para ganhar mais uns trocos. É claro desde o início que não estamos perante alguém que precise de vender o corpo para sobreviver, mas sim de um rapaz que vê a exploração do seu corpo como mais uma marca na construção de uma identidade à volta do conceito de “rebelde”. Ou, como é o caso de um amigo seu, o dinheiro sempre serve para comprar umas botas de designer elegantes.
Na mesma medida em que Clark se filma a si mesmo e aos outros clientes velhos como grotescos monstruosos e nojentos, os jovens são capturados por uma câmara lasciva que desliza pelos seus corpos suados e se foca nos seus pelos púbicos, nas suas axilas, nos mamilos, no volume que o sexo define nas calças de ganga ou nos lábios carnudos que estão sempre a beber, a beijar um cigarro ou a saborear o corpo de outro adolescente perdido. A perspetiva da câmara é assim uma clara extensão da personagem de Rockstar e de todos os clientes que fragmentam os humanos com quem têm sexo em objetos eróticos sem identidade. A própria mãe de Maths o vê como pouco mais que uma criatura para dar prazer, esfregando-se no seu corpo e dizendo-lhe para ele se masturbar diante dela.
Já foi descrito o suficiente para se perceber como Clarke está novamente interessado em chocar a sua audiência burguesa, desta vez direcionando o seu vitriole tanto na direção dos jovens perdidos cuja única preocupação é a sua fachada e a procura epicúria, e os velhos que os abusam como vampiros e são monstruosamente abusados pelos jovens em retaliação. Isto não é um grande avanço, verdade seja dita, e a estrutura do filme apenas sublinha quanto Clark está limitado no que respeita a ideias, sempre com as mesmas coisas a se repetirem no filme e na sua filmografia geral. The Smell of Us – O Cheiro de Nós, com tudo isso dito é uma perfeita introdução à oeuvre deste realizador, sendo que exemplifica bem os seus temas e mecanismos usuais e exibe uma das execuções estéticas mais sofisticadas que o realizador alguma vez conjurou.
Para se ser mais específico, este filme é o raro exemplo da obra de cinema que tenta testar os limites sensoriais da sétima arte, demonstrando uma desconcertante obsessão com a insinuação de odores. O cérebro humano é uma maravilha e a sua capacidade imaginativa também, pelo que Clark usa estímulos audiovisuais, assim como verbais, para induzir as suas audiências a criarem a pintura odorífera do seu filme. Uma cena passada dentro de uma rave, onde um homem de meia-idade atravessa os corpos dançantes e vai enfiando o seu nariz nas axilas peludas e suadas dos jovens é talvez o momento mais tecnicamente virtuoso na carreira de Clark e independentemente de quaisquer podridões morais e filosóficas, o seu valor enquanto experiência sensorial e estética é inestimável.
É pena, portanto, que o filme não seja uma curta-metragem apenas com essa cena e mais alguns momentos de overdose abstrata dos sentidos. Para o maior dos nossos pecados, The Smell of Us – O Cheiro de Nós é uma longa-metragem povoada por corpos com personalidades indefinidas com nomes mas sem mais nada que lhes digne o título de “personagens” e um estilo que tende a cair no naturalismo, apesar de um elenco que oscila entre a mimese de zombies e a estilização à la grande guinol. Clark insiste em focar-se em humanos, mas o seu interesse nunca está para aí virado, resultando em explosões misantrópicas onde um suicídio filmado de modo franco e etéreo acaba por ser apenas uma ferramenta para marcar o fim do filme, sendo que nunca foi criada qualquer empatia ou entendimento com nenhuma destas pessoas que possa resultar num real impacto humano para o espectador.
E não se enganem, The Smell of Us – O Cheiro de Nós é criado como um filme naturalista sobre pessoas, só que o homem que está responsável da sua criação e que tornou o plateau num inferno segundo vários membros do elenco não tem a competência ou o interesse para retratar pessoas com algum módico de realidade. Talvez um dia, Clark se deixe de pretensões e faça um filme ao estilo de Reefer Madness com bonecos insufláveis ao invés de atores, porque é certamente para aí que toda a sua evolução artística parece querer apontar. Resumindo, para fãs deste tipo de cinema do choque, The Smell of Us – O Cheiro de Nós poderá ser um excitante filme, se bem que um pouco letárgico. Para quem não tenha paciência para o choque vácuo e barato e não esteja no mood para ir olhar com escárnio para a suposta amoralidade do mundo juvenil, mais vale ficar em casa ou sair do cinema depois da fabulosa cena da rave.
O MELHOR: Os esforços de Clark em tornar muitos momentos do filme, especialmente a rave, em píncaros de imersividade audiovisual. Nesse panorama de abstração e êxtase estético, o naturalismo do filme dissipa-se e algum do virtuosismo de Clark enquanto fotógrafo toma as rédeas do filme para grande efeito.
O PIOR: A vácua pretensão de rebeldia que todo o filme transpira e a homofobia que parece subjacente à filmagem de muitos dos encontros sexuais.
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