Chalhoub fala sobre escravidão e liberdade no “Aulas Magistrais” A sociedade brasileira oitocentista registrou ocorrências significativas de alforrias à população negra, bem maiores, no período, do que EUA e Cuba, dois dos principais países escravistas do século 19, ao lado do próprio Brasil. Embora tenha sido grande o número de negros livres entre a população brasileira, houve, na época, uma fronteira tênue e incerta entre escravidão e liberdade, materializada em restrições constitucionais aos direitos civis e políticos dos libertos, restrições a alfabetização, concessão de liberdades sob condição, bem como a adoção de condutas típicas da época, a prisão pela polícia de negros livres sob a alegação de serem fugitivos. Todo esse quadro caracterizou o período como sendo de uma “precariedade estrutural da liberdade”, segundo o historiador e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, Sidney Chalhoub, que falou sobre o tema nesta quarta-feira (30). Ele foi o convidado da segunda edição do projeto “Aulas Magistrais”, promovido pela Pró-Reitoria de Graduação (PRG). Chalhoub é um dos principais estudiosos da escravidão brasileira e tem obras relevantes sobre o tema, entre as quais Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte (Companhia das Letras, 1990); Machado de Assis, historiador (Companhia das Letras, 2003) e Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial (Companhia das Letras, 1997), este último ganhador do Prêmio Jabuti. Para o historiador, que leciona na Unicamp desde 1985, no Brasil, mais do que em outras sociedades escravistas das Américas, o processo de libertação de escravos ocorria concomitantemente à continuidade da própria escravidão, tese apoiada pelo dado de que 73,75% da população negra do país era livre em 1872, segundo recenseamento da época. “Nessas circunstâncias, a ênfase historiográfica tradicional nos moldes e oportunidades de obter alforria precisa ser equilibrada com maior atenção à experiência da liberdade, em especial no que tange aos mecanismos que a tornaram frequentemente precária e arriscada em todo esse período”, explicou. Um exemplo citado por Chalhoub sobre restrição à cidadania dos alforriados é a própria Constituição de 1824, que considerava cidadão brasileiro o liberto nascido no país, porém nada dizia a respeito dos libertos africanos. “Estava claro, portanto, que o escravo de qualquer etnia africana libertado no Brasil tornava-se estrangeiro, ou seja, um ‘não cidadão’”, conclui. Além do problema da escravização ilegal, havia diversas situações intermediárias entre a escravidão e a liberdade que eram legalmente reconhecidas, como as alforrias condicionais em suas diversas formas e a possibilidade de revogação das mesmas, acrescenta Chalhoub. “A fronteira relativamente incerta entre escravidão e liberdade era condição estrutural da sociedade brasileira do século 19, constituindo um nexo indispensável à reprodução das relações de dependência pessoal e da ideologia paternalista pertinente tanto a trabalhadores escravos quanto livres”, reforçou.