Mania Akbari é uma mulher sofrida que se divorcia do marido, com quem tem um filho, chamado Amin Maher. Amin Maher mora com o pai, mas passa o dia com sua avó materna. Sua mãe sempre dá carona a pessoas no banco de passageiro, enquanto essas mulheres que sentam ao seu lado contam suas histórias, como uma senhora que conta por que sempre vai rezar no Mausóleu de Ali Akbar, que perdeu um filho muito cedo com 12 anos e o marido muito jovem, a prostituta e o motivo de ter escolhido o mercado do sexo, a jovem que conta ter sido traída pelo seu marido que mostra seu sofrimento cortando seus cabelos, entre outros passageiros que também entram no carro (sempre sendo mulheres, com exceção do filho) e contam a dificuldade de ser traída, as críticas da religião, a dificuldade de ser pai e mãe.
Proibição no Irã
O filme foi proibido no Irã, em 2008, por ser considerado um filme ativista e feminista, a favor dos direitos das mulheres, algo proibido pelo Alcorão, livro sagrado dos muçulmanos. Porém, várias fitas cassetes gravadas foram vendidas ilegalmente. Apesar disso a ONU, aprovou o filme e a revista Time o declarou um dos 100 melhores filmes da história.
O filho demonstra um comportamento agressivo com a mãe, mas mesmo assim ela o ama muito, e por isso não deixa que ele a esqueça ao longo do filme.
Ao final do filme a moça leva o filho até a casa de sua avó, sendo a última cena do longa-metragem.
Ten é um filme político. Especialmente por duas frentes: a cinematográfica e a social, digamos assim. Cinematográfica – e o tempo demonstrou toda a imensa relevância que esse filme tem, certamente – no sentido de ansiar um filme quase que “sem diretor”. Ora, nesse instante mesmo, o filme de Kiarostami revela-se um pleno filme de Kiarostami. Nesse processo, quando o diretor iraniano decide colocar duas câmeras dentro de um carro, uma acompanhando a motorista, outra acompanhando o carona, sua obra toma a naturalidade das interpretações e o processo de Montagem do filme como elementos de norteação de sua obra. Social – e nunca é demais pontuarmos de que se tratando de um país com regimes historicamente repressores das liberdades femininas como o Irã, o discurso sobre tal problema sempre é necessário – especialmente na medida em que tece relações importantíssimas acerca das relações de poder na sociedade iraniana de forma brilhante, sem nunca apelar para sentimentalismo barato, leveza e coragem passeiam de uma forma interessante demais por Ten.
O filme mostrará Dez sequencias nesse carro. Dirigido por uma (belíssima) iraniana, recém-separada, com um filho de 7 anos que não suporta sua mãe pelo fato dela ter se casado com outro homem. Sequências filmadas com duas câmeras DV, sem equipe de filmagem, sem roteiro, somente com algumas indicações que Kiarostami dá através de um microfone de ouvido. O embate inicial, se dá entre mãe e filho. Não apenas o fato de a motorista ser uma mulher que usa batom e o véu na metade da cabeça, o grande conflito se dá porque o garoto não vê ela como um “ideal de mulher” padrão entre as iranianas. O garoto sempre reclama do tempo que ela não tem pra fazer os serviços domésticos, das idéias da mãe, sempre a tratando de forma grosseira. O jovem Amim parece ser um reflexo perfeito do patriarcalismo, ele mostra que tais costumes naquela sociedade são preconizados desde cedo.
Entretanto, o painel de análise comportamental, digamos assim, de Kiarostami se estende por mais outros casos. A sequencia seguinte mostra a motorista e uma amiga passeiando pelas ruas de Teerã: enquanto a protagonista estaciona o carro por um minuto, vemos a moça da carona com muito calor, abanando-se, e contudo com o calorento véu intocado. Cena de um simbolismo intocável. Essa “segunda pele”, pra muitas motivos de orgulho, é uma dupla barreia contra o mundo, na imagem daquela mulher agoniada com o calor vemos a dupla face do artefato, o incômodo de se ver impossibilitada de tirar o véu. Mais a frente, as outras sequencias mostrarão uma prostituta (outra cena de incomensurável beleza), uma senhora idosa e muito religiosa…
E é nesse ponto que o filme de Kiarostami revela-se mais uma vez como um grito de liberdade. É a já antológica cena “2”, quando voltamos à companhia da amiga da motorista que no começo se mostrava ansiosa pela decisão de seu noivo para saber se ele quer se casar com ela ou não. Ela conclui: ele decidiu-se por não se casar. Pela primeira vez, a decisão no que tange aos homens é tomada com serenidade, sem o riso histérico da prostituta, sem a veemência cega da religiosa, sem o ataque neurótico da motorista com seu filho, sem o choro incontido da mulher abandonada. Interessante que diante de tão “terrível”, no ponto de vista daquilo que o filme até então vinha mostrando, as decisões masculinas dilacerando as mulheres, sem o riso histérico da prostituta, sem o fanatismo cego da religiosa, sem o desespero neurótico da motorista com seu filho, a decisão está tomada, não há muito o que fazer agora. A motorista questiona a amiga do porque ela usar o véu tão apertado. É quando a moça afrouxa o pano, deixando à mostra um cabelo raspado. Rompimento completo com o padrão de mulher, de beleza, afronta direta ao jugo masculino do regime iraniano. Impossível não acompanhar às lágrimas daquela mulher. Uma das cenas mais bonitas e libertárias do cinema recente, tão forte, tão política quanto a cena de Um Filme Falado, do Manoel de Oliveira, em que a criança portuguesa se conversa com uma boneca islâmica, quando de um atentado terrorista cometido por radicais islâmicos no navio em que ela estava.
Na cena seguinte, a derradeira, quando a mãe vê o seu filho reclamar mais uma vez, e dizer que ela não é uma boa mãe, o filme já eliminou qualquer possibilidade de divisão entre documentário e ficção (a grande herança estética da obra, afinal). Entre um riso amarelo, e uma lágrima que cai de leve no rosto daquela libertária mulher há muito, muito o que se pensar.