Blackeberg, subúrbio de Estocolmo. Oskar (Kare Hedebrant) é um garoto de 12 anos que sente-se só. Na escola ele sempre é provocado por outros garotos e, apesar da raiva que sente, é incapaz de reagir. Um dia, ao brincar no pátio repleto de neve do prédio onde mora, ele conhece Eli (Lina Leandersson). Ela é uma garota pálida e solitária, que se mudou para a vizinhança recentemente, em companhia de seu suposto pai. Apesar do temor em se aproximar de Oskar, logo Eli se torna sua amiga. Paralelamente, uma série de assassinatos macabros acontecem, em que o sangue das vítimas é retirado. Eli está envolvida com estes fatos, de uma forma que Oskar jamais poderia imaginar
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A impressionante obra – que teve sua premiere em janeiro de 2008 em seu país de origem e chegou a ser exibida na Mostra de Cinema de São Paulo em outubro do mesmo ano, fez-me ponderar como uma história bem feita sobre vampiros e humanos pode tomar dimensões muito além do que foi feito até hoje pelo cinema hollywoodiano.
O aspecto vampiresco do roteiro de Deixa Ela Entrar não é mais coincidente ou coadjuvante e por um bom motivo: ele é o elemento fundamental de uma sofisticada trama de amor e inocência, porém profundamente embasada no psicológico dos protagonistas para colocar de uma vez por todas que vampiros tem coração no peito, ainda que inerte.
Só que não pense que se trata de uma bobagem no estilo “romance para emos e desiludidas amorosas” como a contida em Crepúsculo. Nem de longe. Este filme é muito mais adulto, muito mais carregado de emoção e de tão simples nos conquista nas sutilezas, tanto na história quanto na parte técnica. Até os clichês típicos das produções vampirescas são usadas com inteligência para desenvolver a trama. E como estamos falando de um filme que também é de horror – o que Crepúsculo esqueceu – os banhos de sangue, desmembramentos e assassinatos são violentos e chocantes, mas dado o contexto em que elas se apresentam soam até poéticos.
O roteiro acompanha o drama de Oskar (Kåre Hedebrant), um solitário garoto de 12 anos que vive em um conjunto de apartamentos no subúrbio de Estocolmo no início dos anos 80. Como é muito franzino e calado, é chamado de “porquinho” na escola pelos valentões na classe liderados pelo menino Conny (Patrik Rydmark), sendo atacado com xingamentos e agressões físicas frequentes.
Oskar, que tem pais divorciados, habitualmente mente para a mãe sobre os ferimentos e guarda para si toda a raiva dos garotos, ensaiando contra-ataques com um canivete e guardando recortes de crimes violentos que saem no jornal como forma de externar sua fúria.
Uma noite no playground do pátio do complexo onde vive, encontra Eli (Lina Leandersson), uma pálida garota que diz que também tem 12 anos. Eli recentemente se mudou para o local com seu pai e protetor Håkan (Per Ragnar) morando no apartamento ao lado do menino. Inicialmente ela recusa qualquer laço de amizade com Oskar, mas com o tempo, eles começam a partilhar sua solidão juntos, trocando mensagens pelas paredes de seus quartos através de código Morse.
Oskar não parece incomodado com o fato de Eli não sair de casa durante o dia ou se alimentar como os outros. Nem a constatação ao fim das contas de que a menina é uma vampira é suficiente para atrapalhar seu inocente relacionamento e se completando eles passam a compartilhar conhecimentos um com o outro: Eli ganha um conceito de humanidade através da aceitação do garoto independente de qualquer preconceito enquanto Oskar aprende a reagir contra seus detratores, a não mais sofrer sem revidar, tal como a selvagem garota.
Sem querer entregar o roteiro com todas suas reviravoltas inteligentes – e como não são poucas, digo que foi complicado escrever esta sinopse – digo apenas que sua relação aumenta em intensidade até chegando a uma paixão pré-adolescente levada as últimas consequências quando a comunidade do complexo desconfia que a garotinha, ao saciar sua sede, é a responsável por algumas mortes na vizinhança e precisa partir. O final cíclico e inspirador é a cereja que completa o bolo.
Agora vamos ao primeiro aviso: como se pode prever, o ritmo é lento quase parando (fazendo uma comparação porca, é tipo um Central do Brasil “do mal”) e a condução não é recomendada para o público fã de pipocas e diversão descerebrada por sua própria proposta. Isto significa que o espectador que vai assistir esperando um novo Vampiros, de John Carpenter, ou uma continuação de Um Drink no Inferno vai se arrepender profundamente.
Dito isto, fica difícil analisar devidamente Deixa Ela Entrar sem ser redundante na palavra “poético” (mas não é “gay“, pelamordeDeus). O roteiro – e presumivelmente o livro também – é amarrado num sentimento de veracidade tão intenso que se torna quase plausível no mundo real. O próprio autor Lindqvist declarou que o livro é baseado parcialmente em eventos ocorridos com ele durante sua infância o que aumenta a legitimidade da correspondência.
O diretor Tomas Alfredson dá um baile na direção, tornando cada frame e cada ângulo de câmera uma pintura, aproveitando o excepcional trabalho da fotografia gélida de desoladora de Hoyte Van Hoytema. O espaço dos enquadramentos é muito bem aproveitado e Alfredson sabe o quanto deve promover cada coadjuvante e diálogo para a devida condução da história, ou seja, não há aqueles excessos desnecessários ou explicações repetitivas que tanto incomodam o público nas produções estadunidenses habituais.
A carga de violência é grande, contudo nunca é gratuita. O público pode ficar de boca aberta com os eventos que encaminham para o derramamento de sangue, sem porém ter tripas jogadas em sua cara a todo momento. Muitas passagens ficam por conta da imaginação (como no final do filme) e isso dá um poder imenso para a película, pois cada pessoa que pensar um pouquinho mais a respeito pode ter sua própria interpretação dos eventos.
Todos os elementos em cena convergem apenas e exclusivamente para a história e seus personagens, consciente disso o diretor Alfredson fez duas escolhas acertadas para os protagonistas: Kåre Hedebrant e Lina Leandersson. Esqueçam que se tratam de crianças, eles trabalham melhor que muita gente grande. O casal transmite uma química em cena além do normal com naturalidade e harmonia, conduzindo a narrativa tão sutilmente quanto a proposta da produção e fica difícil pensar em outro par de atores para realizar seus papeis.
Minhas ressalvas particulares ficaram apenas na trilha sonora, que é tão piegas chegando ao ponto de ser depressiva demais, sobrecarregando o filme com um tom triste que destoa com a proposta do roteiro. Outro problema é a ausência de mais informações sobre o passado de Eli, que apesar de ser irrelevante para o entendimento do roteiro e até chega a dar um ar de mistério, deixa um gostinho de “tá, legal, mas e daí?“. Para nosso prazer, porém, são detalhes que em nada prejudicam qualquer mérito da produção.
O reconhecimento veio em forma de prêmios e Let the Right One In se sagrou vencedor em nada menos que 58 premiações diferentes, entre festivais respeitados pela Europa e América e associações de críticos por todo o globo. Só não entendo como o governo da Suécia não escolheu Låt den rätte komma in como representante para o Oscar de filme estrangeiro, pois também sairia certamente consagrado com louvores.
Como a ganância dos produtores de Hollywood é latente, e não é de hoje, Deixa Ela Entrar ganhou um remake com a direção ficando por conta de Matt Reeves (Cloverfield). A notícia chateou Tomas Alfredson que declarou abertamente que “Remakes deveriam ser feitos de filmes que não são muito bons. Isto dá uma chance de consertar o que aconteceu de errado“, além disso o diretor sueco teme que o resultado seja muito “mainstream” para se adequar ao público estadunidense.
Porém o escritor Lindqvist declarou empolgação com a produção, pois Reeves estaria disposto a adaptar o livro novamente, ao invés de meramente copiar o filme, o que poderia algo diferente. Embora Reeves tenha um bom tato, é praticamente impossível se equiparar com Let the Right One In sem abrir mão de uma audiência mais ampla.
De qualquer maneira as filmagens principais do remake começaram em maio de 2009 desse filme que me arrisco dizer que é um dos melhores europeus de horror da história e um dos principais da safra atual. Aceite o risco e calibre seu QI para 100 pontos, Let the Right One In é absolutamente imperdível!
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