Behind the Candelabra surgiu como um projeto de cinema, e só se tornou realidade na televisão porque ninguém se dispôs a bancar o filme na telona. Ao assistir ao longa de Steven Soderbergh sobre Liberace - especificamente, sobre os esforços do pianista para esconder sua homossexualidade publicamente - o que vem à cabeça são justamente outras obras no cinema, como Boogie Nights e Longe do Paraíso. De Boogie Nights, Soderbergh pega os três atos bem estruturados entre o fim dos anos 70 e o início dos 80: o começo romantizado, depois a ruína física, depois o desfecho desiludido. Dos filmes de Todd Haynes vem a fotografia luminosa que parece envolver os personagens em sonho; particularmente em Longe do Paraíso, esse sonho se revela um faz-de-conta. As relações de poder em uma família "tradicional" e o sexo gay como motivo de vergonha, temas de Longe do Paraíso, também estão em Behind the Candelabra. Porque, em resumo, o papel que cabe a Matt Damon no filme é o da Julianne Moore da vez, a mulher-do-bandido. Não por acaso, sempre que brigam, Liberace (Michael Douglas, impecável) repete para seu namorado Scott Thorson (Damon) que precisa trabalhar, manter a casa - ele não pode ser aborrecido com essas coisas de marido e mulher, enfim. Por mais que estejamos no terreno das excentricidades, dos pianos e dos candelabros, a homossexualidade do ponto de vista de Scott é natural como qualquer afeto. É Liberace quem enxerga tudo de forma hierarquizada, e desde o começo do filme ninguém pode dizer que foi enganado. Soderbergh filma com particular tensão a aproximação entre Liberace e Scott, como um flerte mecanizado, para pontuar a relação de poder que se estabelece. O poodle late ao fundo enquanto Scott conta sua historia de vida ao pianista. Depois o barulho da banheira não permite uma intimidade. É como se a casa das máquinas - neste caso uma imagem mais apropriada talvez fosse a dos peões ocultos na coxia de um teatro - fizesse todo o trabalho; só cabe aos atores performar no papel que lhes foi dado. E que casa das máquinas esplendorosa tem a "rainha" Liberace, com todos aqueles brilhos e espelhos. Assim como no seu recente Terapia de Risco, Soderbergh usa bastante o foco no primeiro plano para isolar os protagonistas do contexto. O cenário no fundo fica frequentemente embaçado, o que traz mais adiante os atores e os expõe mais. Em Behind the Candelabra, essa exposição tem uma razão bastante clara: condenar o isolamento autoimposto de Liberace, que como Rock Hudson teve sua orientação sexual exposta na mídia em decorrência da AIDS. "Não é nossa função mudar o mundo", diz o pianista para um grupo de jovens músicos. Soderbergh parece discordar, e ao filmar tudo que envolve Liberace de forma a acentuar a irrealidade e o teatro do dia a dia da diva, ele se posiciona de forma elegante contra o biografado. Vão-se os anéis, mas ficam os dedos, literalmente.
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