LEGENDA ESPANHOL
“Aaltra” é um road-movie em cadeira de rodas. Mas esta é uma questão de somenos importância, por isso é melhor tirá-la já do caminho. Que essa não seja a razão para se ver este filme. Mas sim porque se trata de facto de uma obra divertida, original e irreverente. Ben (Delépine), um homem de negócios que vive numa pequena aldeia belga enquanto teletrabalha, partilha com o seu vizinho Gus (Kervern), um agricultor, um estimado e profundo ódio acompanhado de desprezo, como só quem convive de perto pode sentir. Em resultado de uma agressão, que culmina num acidente com uma máquina debulhadora, ambos perdem o uso das pernas, vendo-se confinados a duas cadeiras de rodas. A ideia de suicídio ou autocomiseração nem sequer é aflorada. E qualquer sentimentalismo ou pena é rapidamente posto de lado, quando eles se metem à estrada: um com a clara ideia de processar a empresa finlandesa Aaltra que fabricou a máquina; e o outro movido pela sua única paixão, agora platónica, o motocross. Como em todos os road-movies, a relação de ambos evolui durante a viagem, transformando a sua frustração e sede de desresponsabilização em amizade. Mas a forma como estas duas criaturas frias e calculistas exploram tudo e todos os que se cruzam com eles, é, no mínimo, refrescante. Porque mais importante do que mostrar que eles são deficientes, é mostrar que eles são pessoas, o que implica que têm igual capacidade para serem cruéis e horríveis. Eles aproveitam-se da boa índole de quem os decide ajudar, agridem quem não lhes dá esmola, esvaziam o frigorífico das almas caridosas, roubam uma cadeira eléctrica a um casal de idosos. Tudo sem uma palavra de agradecimento. São rudes, grosseiros e execráveis e, por isso mesmo, encantadores. Os co-argumentistas, realizadores e protagonistas Benoît Delépine e Gustave de Kervern são a essência desta comédia física e deliciosamente mordaz. O seu sentido de humor é negro, acutilante e inteligente, usado com mestria e comedimento ao longo de todo o filme. Filmado a preto e branco, “Aaltra” tem uma clara inspiração no realizador Aki Kaurismäki, que abrilhantou o filme com um cameo como patrão da empresa finlandesa. A recusa por parte dos autores do politicamente correcto (que ironicamente acaba por ser o mais correcto possível) é propositada e claramente política. Não fosse o filme dedicado a Albert Libertad (1875-1908), um militante anarquista individualista francês, também ele deficiente físico, e que levava seus debates às últimas consequências, usando as suas muletas como armas. CITAÇÕES: “São pessoas como vocês que dão mau nome às pessoas em cadeiras de rodas!” JOSEPH DAHAN (motard)
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- AALTRA R$19,99