omo é bem realizado, como é impressionantemente bem feito este grande clássico francês de 1962, com certeza um dos melhores filmes sobre a infância – e um dos grandes panfletos pacifistas – da história do cinema.
A competência da realização foi o que mais me impressionou ao rever o filme agora, em 2009, 47 anos depois que ele foi feito, uns 45 depois que eu vi pela primeira e acho que única vez. (Vi no Cine Pathé, em Belo Horizonte, em agosto de 1964, quando tinha 14 anos.)
Por comodidade, vou usar a sinopse do Cinéguide, um ótimo guia francês de 18 mil títulos que tem uma tremenda capacidade de síntese (eu jamais seria aceito na equipe do editor Éric Leguèbe):
“A volta às aulas desencadeia, a cada ano, as hostilidades entre os alunos de dois vilarejos. O que está em jogo na guerra: botões, cintos, suspensórios, cadarços de tênis.”
Maputaqueopariu, isso é que é ser sintético.
Acho fundamental acrescentar pelo menos alguns elementos. Os garotos em guerra têm algo entre 7 e 12 anos; os pequeninos vilarejos vizinhos de Longeverne e Velrans são separados por mato, área rural, pequenas estradas de terra; seus habitantes são camponeses bem pobres, bem pouco letrados; não são miseráveis, mas estão no limite, são de fato muito pobres, e bem broncos; estamos bem antes de Summerhill, de qualquer tipo de educação digamos mais liberal, bem antes da inversão dos pólos que fez os jovens virarem mais importantes que os adultos; em suma, estamos no tempo em que tretou, relou, menino desobedeceu, ou encheu o saco, leva correiada, porrada.
Sinopse posta (pô, preciso usar mais o Cinéguide para fazer sinopses…), vamos em frente. É extraordinariamente bem feito, este Guerra dos Botões. O diretor Yves Robert esbanja talento, competência; sua câmara faz babar qualquer um que goste de cinema. Ele usa tudo o que havia sido inventado, tudo que a linguagem do cinema permite. Faz travellings belíssimos, fascinantes, dos garotos correndo entre as árvores, perseguindo uns aos outros; joga a câmara no chão para filmar de baixo para cima os rostos dos meninos reunidos em torno do local onde construirão sua cabana, ou seja, em torno da própria câmara; inverte a posição, bota a câmara lá em cimão e faz tomada em plongée; alterna planos gerais com planos americanos com close-ups.
Há tomadas em que os dois exércitos se preparam para a batalha no meio de um areal cercado por árvores que me fizeram lembrar as extraordinárias, emocionantes seqüências de mestre Stanley Kubrick em Spartacus, das mais belas que já houve, de um lado aquele bando desorganizado de ex-escravos, do outro as centúrias de Crassus perfeitamente ordenadas, enfileiradas, limpíssimas, reluzentes. Só que aqui os dois exércitos são parelhos, aqueles dois bandos de garotinhos em guerra.
E Yves Robert consegue extrair interpretações magníficas daquele monte de meninos. É impressionante como ele obteve isso – belas interpretações de tanto garoto, e tanta organização nas tomadas gerais das desorganizadas pequenas multidões em que os pequerruchos se enfrentam com espadas de madeira e bodoques, perdão pelo mineirismo, estilingues.
Espadas de madeira, estilingues. Depois, haverá uma escalada, como em geral acontece nas guerras dos adultos; haverá crueldade, prisões, delação, traição, e armas cada vez maiores e mais poderosas.